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Rosalda Paim: uma enfermeira para além de seu tempo

Trajetória pessoal e profissional: um devir norteado pela dedicação à saúde e à enfermagem

Paim nasceu em Vila Velha, no Estado do Espírito Santo, em 26 de agosto de 1928, filha de Valeriano Rodrigues da Cruz e Lindaura Evangelista da Cruz.

Em 1950, graduou-se em Enfermagem pela Escola de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro, atualmente denominada Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa (EEAAC/UFF). Concluiu o Curso de Bacharel em Pedagogia em 1956 e licenciou-se no mesmo curso pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal Fluminense (UFF) em 1957.

Especializou-se nas áreas de pediatria, administração hospitalar e saúde pública. Realizou Mestrado em Educação na Faculdade de Educação da UFF e doutorou-se em 1974 em Enfermagem Materno-infantil, defendendo tese de livre docência pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro(3).

É professora titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da EEAAC da UFF, onde foi chefe de departamento. Desenvolveu atividades como docente de várias disciplinas, destacando a área materno-infantil, de saúde pública e de metodologia da pesquisa. Grande atuante nas atividades institucionais da UFF, destacando-se o Conselho Universitário,também realizou vários projetos de pesquisa e de extensão, destacando-se a criação do Núcleo de Atenção Primária e Educação e Saúde (NAPES) na Universidade Federal Fluminense e a Fundação da Creche, que hoje tem seu nome, localizada no centro da cidade de Niterói-RJ, atendendo às comunidades dos Morros do Arroz e da Chácara.

Por trabalhar na área materno-infantil, teorizou sobre a infância como uma fase do desenvolvimento humano que precisa ser considerada  um fenômeno em si, de direito da criança e não apenas como uma fase transitória(4). Ampliou essa visão para a saúde do adolescente, da mulher e do idoso.

Na década de 90, compôs um grupo de docentes que iniciou discussões com proposta de criação do curso de mestrado da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da UFF, que foram retomadas no processo de criação do mestrado acadêmico em Ciências do Cuidado em Saúde da mesma instituição.

A visão ampla na produção de conhecimento de pesquisa na saúde e na enfermagem está expressa em suas obras. O trabalho de Paim propagou-se na enfermagem e para além dela, na educação, na ecologia, no planejamento em saúde e na assistência social, estabelecendo parcerias estaduais e nacionais.

Casou-se com Edson Paim, cirurgião dentista, médico, professor aposentado da UFF, parceiro de militância, de produção teórica, além de um grande companheiro que a acompanha há 60 anos.  Edson Paim atuou na fundação “do Partido Democrático Trabalhista (PDT), tendo sido Membro do Diretório Regional do Rio de Janeiro e Vice-Presidente da 2ª Zona Eleitoral de Município do Rio de Janeiro.”(5)

Rosalda Paim, mulher dedicada à família, humana, sensível, espirituosa e generosa, mostrou-se sempre firme em suas convicções e posições.

Além de enfermeira, pedagoga, professora, deputada e pesquisadora, ela foi sobretudo uma das mulheres singulares da Enfermagem, da saúde e da sociedade.Enfim, uma grande personalidade, visionária, militante política, defensora da saúde pública e dos cuidados de enfermagem nos diferentes ciclos da vida.

Tivemos oportunidade de conviver com a Professora Rosalda na academia, trabalhando e desenvolvendo projetos de pesquisa(3,6,7). Acompanhávamos seus constantes investimentos pelas causas sociais, equidade e  qualidade da saúde. Seus posicionamentos eram firmes, humanos e agregadores, enquanto colega de trabalho. Rosalda dizia que “tudo que é muito radical não ajuda”, ampliando, dessa forma, as possibilidades de diálogos transdisciplinares na saúde.

 

Em defesa de um amplo projeto político e social: em defesa da vida

Rosalda Paim tinha um projeto político sobre a vida, saúde e sociedade, no qual incluía a enfermagem como ciência, arte e profissão.

Ela posicionou-se em prol da democracia e dos direitos humanos no período da ditadura militar, sendo por vezes coagida. Em um de seus muitos relatos, contou-nos o fato de sua casa ter sido invadida por agentes do regime totalitário, sendo seus livros subtraídos por serem considerados subversivos.

Participou ativamente da Fundação do Partido Democrático Trabalhista (PDT) em Niterói-RJ e foi uma das responsáveis pelo processo de democratização dos serviços públicos de saúde na década de 80, participando das pré-conferências e conferências municipais de saúde.

Sua maior expressão política destaca-se como a primeira parlamentar enfermeira do Brasil no período de 1983 a 1987. Criou mais de 20 projetos de leis voltados para a área social e de saúde, dentre os quais destacam-se  os seguintes: O que proíbe a coleta remunerada de sangue; a criação do sistema estadual de creche; a criação do dia da pessoa idosa; a criação do serviço de saúde do adolescente; da obrigatoriedade de instalação de conselhos comunitários em unidades estaduais de saúde, educação e serviço social; e outras.(5:7)
Ao detalharmos temporalmente os Projetos de Lei da deputada Paim, observamos seu esforço árduo e contínuo na promulgação de leis que contribuíssem com as minorias sociais e que possibilitassem  conquistas de visibilidade para a  enfermagem e a  saúde.

Durante o período de seu mandato, destacam-se os  projetos de lei que abrangem a área da saúde, educação e cultura, demonstrando no seu exercício político a visão sistêmica e ecológica que preconizava.
Na área da saúde pública, criou o projeto lei que proíbe a propaganda e comercialização da doação de sangue. Também criou a comissão coordenadora para o saneamento, fiscalização sanitária de alimentos e a institucionalização de comissão de infecção hospitalar, confirmando sua ampla visão da saúde e seu compromisso ético e cidadão(8,9).

Sobre a atenção aos cuidados nos ciclos vitais humanos, destacam-se: a disposição para a implantação de alojamento conjunto nas maternidades municipais e estaduais e a criação do serviço de saúde voltado para os adolescentes. Também trabalhou para instituir o dia da pessoa Idosa e o programa estadual de planejamento familiar, além depresidir a Comissão de saúde e de Educação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro(8,9).

Em relação às medidas sociais e políticas, destaca-se sua integração na Comissão de elaboração do Estatuto da Mulher e sua nomeação pelo presidente da república José Sarney ao cargo de Vice-presidente da União Parlamentar Interestadual(5).

Na área de transporte, dispôs sobre a gratuidade em ônibus e barcas para praças das forças armadas, bem como a instalação de um degrau inferior nos ônibus do Estado do Rio de Janeiro com vistas a facilitar a locomoção da população.

Na área cultural, instituiu atividades como festivais de cultura e afins no calendário cívico-cultural do Estado do Rio de Janeiro e criou o Programa de desenvolvimento artesanal do Estado do Rio de Janeiro(8,9).
No campo da educação, criou e denominou várias instituições de ensino estadual e municipal voltadas para a educação pública integral, bem como a legislação do sistema estadual de creches. Destaca-se também a institucionalização da comemoração do dia mundial da paz nas escolas estaduais, fato que nos remete ao pensamento de Edgar Morin, que preconiza a educação para a paz e não para a guerra(10).

 

Uma profissional para além de seu tempo

A trajetória profissional de Rosalda Paim é norteada por marcos teóricos, sociais e políticos da virada do século XX para o XXI no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro, de modo que a mesma teve um papel de destaque no processo de modernização da enfermagem brasileira, na formação do enfermeiro e profissionais de saúde, na democratização brasileira e na mudança de paradigma na atenção em saúde.

A biografia de Paim contextualiza-se no período que abarca a fase desenvolvimentista do Brasil, período dos movimentos sociais de base e período ditatorial, quando houve conquistas sociais na saúde e processo de redemocratização do país. Nessa época, Paim teve uma participação política efetiva, culminado na sua eleição como deputada estadual, quando criou vários projetos sociais.

Contrapondo-se ao modelo médico curativista, tecnicista e da medicina dos órgãos, Paim propôs um modelo sistêmico, ecológico e cibernético de atenção à saúde, e criou uma teoria e uma metodologia de assistência de enfermagem inter e transdisciplinar que se coaduna com os princípios do Sistema Único de Saúde. Portanto, o pensamento de Paim sempre esteve além de seu tempo; é atual e apresenta aderência com o cuidado essencial, ecológico e sistêmico.

Quanto à especificidade para o campo da enfermagem, idealizou uma sistematização da assistência voltada para as necessidades globais de saúde e que apresenta contribuições para o planejamento e intervenções na saúde de modo humano científico e holístico. Assim sendo, esta enfermeira é referência para a saúde e para a enfermagem brasileira e, portanto, merece nosso reconhecimento e  lembrança.

Pequisa: Jose Lucas (Folha do Pirajuçara)

Fonte: https://www.objnursing.uff.br

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