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Direito da USP pode retirar homenagem de acusado de violar corpo

Antigo professor de medicina legal embalsamou corpo de mulher negra. Cadáver foi mantido por quase três décadas no Largo de São Francisco

 

A Faculdade de Direito da USP está definindo se mantém homenagem a um professor acusado de violar o corpo de mulher negra.
Amâncio de Carvalho era médico catedrático de medicina legal e ligado à Sociedade Eugênica de São Paulo. No início do século passado, ele fez um experimento de embalsamento de cadáver humano. O corpo usado foi o de Jacinta Maria de Santana, mulher negra que vivia nas ruas de SP.
Após sua morte, o cadáver foi entregue ao professor para estudos. O corpo, por sua vez, teria sido usado em experimentos e trotes no Largo S. Francisco.
Amâncio de Carvalho tem seu nome estampado em uma sala de aula e em uma rua. Agora, a faculdade decidirá se mantém as homenagens.

 

Quem foi Jacinta?

 

O Largo do São Francisco está perto de seu bicentenário. Ao longo dos anos, a instituição assistiu a mudanças culturais e foi obrigada a se modificar junto à sociedade. Neste contexto, conhecemos o caso de Jacinta Maria de Santana, revelado pela historiadora Suzane Jardim.
Pesquisas revelaram que Jacinta era uma mulher negra que vivia pelas ruas de São Paulo, e que teria falecido após passar mal, por “lesão cardíaca”. Ela chegou a ser levada ao hospital pela polícia, mas não resistiu. E isso é tudo o que se sabe sobre ela.
Reportagem publicada pelo site Ponte afirma que Jacinta não foi fotografada em vida. Não foram identificados parentes ou pessoas que compunham seu círculo social, ou descoberto se tinha endereço.
No dia de sua morte, o corpo foi entregue ao médico, que a resumiu como “preta de cerca de trinta anos, hóspede habitual da polícia por sua desmedida intemperança”.
O cadáver foi mantido por quase três décadas na Faculdade de Direito da USP, sendo usado para “ilustrar” aulas de medicina legal. Mas, ao que parece, o experimento não teve qualquer relevo ou reconhecimento científico.
Mais grave: diz-se que, ao longo dos anos, o corpo de Jacinta foi constantemente desrespeitado por gerações de alunos, tendo sido utilizado em trotes e “brincadeiras”.
A historiadora Suzane Jardim contou que o primeiro contato com a história de Jacinta ocorreu por meio de um periódico negro, que publicou, em 1929, notícia do enterro de uma múmia.

 

O médico

 

Antônio Amâncio Pereira de Carvalho teria a mais alta estima da elite nacional. Era considerado um dos melhores cirurgiões do Brasil, atendendo pacientes com alto poder aquisitivo num consultório próximo à praça da Sé.
Segundo informações, Amâncio era amigo de João Maurício Wanderley, o Barão de Cotegipe, único senador do império a votar contra a lei Áurea, porque causaria crise econômica e desordem.
Amâncio teria exercido papel fundamental no desenvolvimento da medicina legal, tendo sido ele o responsável por introduzir o estudo na Faculdade de Direito de SP. A afirmação é de Robinson Henriques Alves, doutor em História da Ciência pela PUC e professor da Universidade Municipal de São Caetano do Sul.
“Ele também foi presidente honorário da Sociedade Eugênica de São Paulo. Noutras palavras, defendia o embranquecimento da nação brasileira, ideal que legitimava a exposição do cadáver de uma moça negra em pleno Largo São Francisco.”

 

Páginas tristes

 

Em 2021, quando o estudo veio à tona, foram iniciadas discussões sobre o caso. A partir de então, a faculdade passou a discutir se retira ou mantém na instituição a homenagem.
“Importa menos ser um fato ocorrido faz mais de 120 anos”, disse o então diretor da Faculdade, Floriano de Azevedo Marques Neto, ao destacar a gravidade dos fatos. Para ele, o episódio aponta desrespeito ao corpo de um ser humano e revela o viés racista fortíssimo daquela sociedade (e que perdura ainda).
“Vivemos um contexto de diversidade inédito e entusiasmante. É urgente revisitarmos nossa história. Passagens pouco venturosas nos entristecem. Expô-las não nos fará menores.”
O ex-diretor afirmou que “há páginas tristes que devem ser iluminadas, ainda que nos envergonhem”.

https://www.migalhas.com.br/quentes/383892/direito-da-usp-pode-retirar-homenagem-de-acusado-de-violar-corpo

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