Expedição ao Embu-Mirim documenta degradação do manancial, mas nascente tem água pura

O Rio Embu-Mirim está contaminado em sua foz, na Represa Guarapiranga, mas apesar do assoreamento e da péssima situação bioquímica ao longo de seu trajeto, tem água pura na nascente

 

A Expedição Embu-Mirim, que aconteceu entre os dias 26, 27 e 28 de novembro, último, nos territórios de Itapecerica da Serra e Embu das Artes, foi um evento riquíssimo em informações, quando foram coletadas amostras das águas do rio desde a foz à nascente, com registros feitos por meio de imagens de drone, fotos e poesia. Embora os resultados da análise da água superarem as expectativas negativas, ainda há esperança: uma de suas nascentes apresentou excelente qualidade da água.

A Expedição é uma proposta do Coletivo A Voz dos Rios, que tem a participação de entidades ambientalistas como SOS Mata Atlântica e as locais Seae – Sociedade Ecológica Amigos de Embu, Preservar Itapecerica e Panverde e de entidades sociais como Casa Viva Lilás de Santo André. Contou com biólogos, fotógrafas, uma geógrafa e uma arquiteta urbanista, poetas e educadores, e seguiu o Rio Embu-Mirim por barco e por terra, cumprindo sua missão, sob a supervisão da Pesquisadora Marta Marcondes do Laboratório IPH – Índice de Poluentes Hídricos, da Universidade Municipal de São Caetano.

Durante todo o trajeto, os registros foram mostrando uma enorme degradação do manancial. Partindo da Represa Guarapiranga por barco, comandado por Adrian Meusburger, que navega o manancial há pelo menos uma década. Logo de início, perto do ponto de coleta de água para abastecimento pela Sabesp, foi constatada a presença de sulfato de alumínio, despejado pela própria Sabesp, para decantar os resíduos sólidos do manancial para o fundo do reservatório. Algo assim como jogar sujeira para debaixo do tapete.  As coletas feitas em profundidade, neste trecho a 14 metros, mostraram água preta e espessa, com partículas visíveis a olho nu. Segundo a pesquisadora Marta Marcondes: “Todos os 17 pontos que costumamos coletar amostras, está deste mesmo jeito. Se fala que a Guarapiranga está com 48% de armazenamento, mas 48% de armazenamento do quê?”

 

Dados alarmantes: água contaminada e assoreamento

Em seguida, a expedição seguiu em direção à foz do Rio Embu-Mirim, onde todos puderam constatar um fortíssimo cheiro de esgoto, o que demostrou logo de cara como chega a água vinda do rio para dentro da represa. O barco teve que parar muito longe do ponto que a expedição teria que chegar, o ponto da foz, pois devido à poluição foi registrado grande assoreamento, com o acúmulo de sedimentos carregados pelas chuvas para o fundo do reservatório, tanto lixo como a terra que se desprende do solo, com a retirada da cobertura vegetal pelo desmatamento no entorno da Represa. Foi registrada a presença de neófitas, que são plantas aquáticas que se acumulam em reservatórios que tem altos índices de poluição, pois se alimentam dos compostos orgânicos da água contaminada. O barco teve que parar para não encalhar: “Nós não vemos mais o Rio, a vegetação aquática cobriu tudo. Neste ponto, estamos com somente 50 cm de profundidade, há sete, oito anos, chegava a 2 metros”, explicou Adrian. Todo esse assoreamento tem somente uma causa, o desmatamento: “As matas ciliares dos rios e dos reservatórios é que garantem que não cheguem terra e sedimentos ao fundo”, complementa Marta Marcondes.  O assoreamento é grave não só para a navegação, mas porque significa menor capacidade de armazenamento do reservatório, que neste momento de seca, a maior dos últimos 90 anos, já se encontra abaixo de 50% de sua capacidade.

Apesar de toda essa situação, a Expedição pode registrar a existência de animais à beira da Represa, como uma família de capivaras que tomavam sol às margens da contaminada Guarapiranga. Durante todo o trajeto foram avistados pequenos grupos de aves, que ainda resistem, como biguás, galinhas d’agua e paturis.

Voltando para as margens da Represa e continuando o percurso por terra, a expedição dirigiu-se aos demais pontos de coleta de amostras de água, ao longo de três dias. Um dos locais mais emblemáticos, em Itapecerica da Serra, foi ao lado do Rodoanel Mário Covas, próximo à ocupação que se dá no conhecido terreno da empresa Savoy, no Bairro Embu Mirim, próximo também ao Bairro Branca Flor. O local de coleta neste ponto, ao lado da ocupação com moradias muito precárias, que cresceu enormemente durante a pandemia, apresentou também um cheiro muito forte de esgoto e muita espuma em suas águas. Fatores negativos como alta temperatura e turbidez e baixo teor de oxigênio na água, foram registrados.  O descaso do poder público decorrente da falta de projetos de moradias populares e de saneamento estava ali, na voz do Embu-Mirim. Pessoas vivendo em grande precariedade e esgoto sendo lançado in natura, dirigindo-se para a Guarapiranga, que abastece mais de 4 milhões de pessoas.

A Expedição seguiu em frente, adentrou no território de Embu das Artes, e a coleta desta vez se deu ao lado da Agência Estadual Cetesb de Embu, responsável pela fiscalização na Região, e ao lado também da Câmara Municipal de Embu das Artes e da Delegacia Civil do Meio Ambiente. Foi neste ponto emblemático, ao lado de órgãos de controle do Meio Ambiente, estaduais e da Câmara de Embu, onde estão os Vereadores que deveriam fiscalização as ações do executivo da cidade, que a coleta foi mais chocante para o grupo, quando foram vistos a olho nu, vermes vermelhos na água, um indicador de alta degradação ambiental.  Ubimara Ding, formada em Políticas Públicas, Poetisa e Educadora Popular, participante da expedição, chegou a se emocionar: “Estes vermes são a prova exata do abandono da vida. Como pode ter esperança de viver, de fluir, se os vermes estão comendo esse rio vivo? A mão da caneta que poderia mudar isso, nem sequer olha para esse rio.”

O próximo ponto de destaque da expedição, adentrando novamente em Itapecerica, na Estrada dos Mosteiros, próximo à Estrada Régis Bittencourt – BR116, local que já foi palco de grande quantidade de descarte ilegal de lixo e entulho, mostram as marcas do assoreamento decorrente deste descarte. Neste local, diferentemente do passado, foram avistadas poucas aves, como dois exemplares de galinha d’água, muito pouco em relação ao que se avistava há dois ou três anos antes do despejo de lixo.  Não muito longe dali, está sendo construída uma fábrica de bicicletas, empreendimento licenciado pelo município, com suspeita de estar em Área de Preservação Permanente, degradando um curso d’água contribuinte do Embu-Mirim.

Seguindo ainda pelo território de Itapecerica, a expedição parou próxima ao lado do CDP – Centro de Detenção Provisória, no bairro do Potuverá, e a situação não foi diferente. A qualidade da água voltou a deixar muito a desejar em área de inúmeras denúncias de aterros ilegais de mananciais.

Toda essa coleta de dados está nas mãos da pesquisadora Marta Marcondes, que vai elaborar uma Nota Técnica sobre os resultados encontrados na Expedição, um relatório de cunho científico, com o aval da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, que será encaminhado aos órgãos públicos responsáveis, com todos esses parâmetros, para que tomem providências urgentes. Estado e os Municípios tem o dever legal de zelar pela qualidade das águas dos rios e reservatórios e estão descumprindo a legislação e cometendo um crime hediondo contra toda população da Região Metropolitana de São Paulo. A omissão da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, Sabesp, Comitê de Bacias e Secretarias Municipais estão configuradas nestes dados alarmantes.

 

Nascentes são como Meninos Jesus

Chegando já ao final do trajeto, em direção à uma das nascentes do Embu-Mirim, no sopé da Reserva Morro Grande, que faz divisa com o município de Cotia, a expedição foi muito bem recebida no local pelo responsável, o qual indicou o caminho por um morro de mata bem fechada, e fez inúmeras recomendações, uma vez que poderiam topar com animais peçonhentos, como cobras e aranhas. A equipe toda se protegeu, com botas e olhos bem abertos e seguiu mais ou menos uns 400m mata adentro, entre pedras escorregadias, musgos, água corrente, caetés, bromélias, cipós e árvores altíssimas, até chegar a um grotão em meio a uma pedra alta de onde brotava delicadamente água fresca e translúcida, um lugar preservado de grande beleza, que emocionou a todos e todas.

Era o ponto máximo da Expedição e havia ali uma grande esperança de que a água pudesse estar pura e livre de poluição, como deve ser. A água da nascente foi coletada e em alguns dias os primeiros resultados do laboratório IPH detectou resquícios de coliformes, que se confirmaram ser de animais que passam por ali e os demais parâmetros estavam excelentes: “A contaminação encontrada é uma contaminação de bactérias de animais de sangue quente, que é comum nestas áreas que eles circulam e estamos mega felizes porque não tem contaminação de esgoto”, explicou a pesquisadora Marta Marcondes.

Ubimara Ding, em entrevista à Rádio Repórter Diário do ABC, depois de divulgado esse resultado positivo, fez uma emocionante declaração: “Quando se chega a uma nascente a emoção é profunda, porque você passou por todo aquele processo de ver o descaso, mas você vê a mobilização das pessoas. E agora que estamos no mês de dezembro, período natalino, que se lembra o nascimento, para quem é da tradição judaico cristã, o significado do nascimento é a vida. As nascentes são como pequenos meninos Jesus, nascendo, resistindo, todos os dias. Para quem não é da tradição judaico cristã, para religiões de matrizes africanas, as nascentes são fonte de vida, mananciais dos seres de luz. As nascentes provam para a gente que a vida pode ser cuidada, preservada e amada. Isso que elas nos trazem como mensagem e é isso que a gente escuta: cuidem de mim, que cuidarei de vocês”.

 

*por: Adriana Abelhão // *foto: Sandra Audujas

Um comentário em “Expedição ao Embu-Mirim documenta degradação do manancial, mas nascente tem água pura

  • 26/02/2022 em 11:04
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    Chocante como se temia.
    Será que seria possivel promovermos com as próprias comunidades ou sub- bacias, a construção de redes de coleta de esgotos, talvez com material cedido pela Prefeituras, pela Sabesp ou outra concessionária da Area, pelas casas de material de construção, por doações? Usando máquinas da Prefeitura?
    Uma vez coletado, que é o mais dificil, seria necessario cuidar do afastamento, conectando cada rede à rede de coleta de existente , se possivel, ou instalando poço de bombeamento para ponto adequado de rede existente? Com o envolvimento das comunidades na implantação, provavelmente seria despertado um interesse permanente nesta destinação dos esgotos e preservação do rio na sua subbacia…?
    A engenharia destas redes de coleta seria realizada por nós, devidamente coordenada e aprovada pela Sabesp ou concessionaria da área.

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